O que é o bóson de Higgs, afinal?
É a partícula que faz com que você não seja um raio de luz.
Não entendeu? Vamos voltar no tempo até uma época em que o Universo
inteiro era só um emaranhado de partículas subatômicas que vagavam na
velocidade da luz. Então. Os bósons de Higgs, que estavam espalhados
entre essas partículas, se uniram e formaram um grande oceano invisível.
O resto da mágica aconteceu quando as outras partículas subatômicas
começaram a interagir com este oceano. Algumas – os fótons, por exemplo –
passaram direto. Outras – os quarks e elétrons – foram atraídas por
este mar de bósons de Higgs. E à força que os quarks fazem para
atravessar esse óleo nós damos o nome de massa. Isso está acontecendo
agora mesmo: nós vivemos submersos no oceano de Higgs até hoje.
Leia de novo a frase que abre este parágrafo. Fez sentido
agora? Sem o bóson de Higgs, os quarks e elétrons não teriam massa.
Seriam “raios de luz”. Sem quarks e elétrons não existem átomos. Sem
átomos não existe você.
Por que ”partícula de Deus”?
Por causa de um editor de livros. Um físico, o Prêmio Nobel
Leon Lederman, fez um livro sobre o bóson de Higgs em 1993. Até então
(e até hoje de manhã) a existência do Higgs era só uma teoria.
Mas não
era qualquer teoria. Ele era necessário para que a física moderna
fizesse sentido. Na próxima resposta falamos sobre isso com mais
detalhes. Mas o ponto é que a existência real do Higgs era extremamente
necessária, só que ninguém encontrava um vestígio sequer dela.
Justamente por isso, Lederman quis que seu livro chamasse “The Goddam
Particle” (A Partícula Maldita) – “Maldita” porque teimava em não dar as
caras. Mas o editor do livro sugeriu que, se transformassem o “Goddam”
em “God” (e o título, portanto, em “A Partícula de Deus”), ficaria mais
chamativo. Ficou Nobel de edição para o rapaz!
O que fizeram para encontrar a partícula?
Gastaram US$ 10 bilhões – o preço do maior acelerador de
partículas do Universo conhecido, o LHC. Os cientistas literalmente
colocam os prótons para correr lá dentro e provocam colisões frontais
entre eles. Essas pancadas geram explosões intensas, como se fossem
mini-Big Bangs. É aí que está o truque. Se o Big Bang “de verdade” fez
com que os bósons de Higgs aparecessem vagando entre as outras
partículas subatômicas, uma versão menor (mas quase tão intensa quanto o
original) também faria. E fez.
Então, como os cientistas têm certeza de que a partícula que encontraram é mesmo o bóson de Higgs?
Eles não têm certeza. Quer dizer: a certeza não chega a
100%, mas já é maior do que 99,9%. Funciona assim: a física de hoje tem
uma espécie de “tabela” que lista todas as partículas elementares, os
tijolos fundamentais da matéria. São seis tipos de quark (os tijolos dos
prótons e nêutrons, que constituem basicamente tudo o que você
enxerga). Tem também seis “léptons” (elétrons, neutrinos e mais quatro
primos próximos deles). Para completar, existem 4 partículas
“fantasmas”, geralmente sem peso nenhum, feitas de energia pura. Elas
são os “bósons” – os tijolos das forças da natureza. A mais notória é o
fóton, o tijolo (ou bóson, se você preferir) da força eletromagnética.
Nós chamamos as gangues de fótons que correm em bando por
aí de “luz” e de “sinal de celular” – duas manifestações da força
eletromagnética, ainda que bem distintas. As outras partículas de
energia pura são os glúons, os elementos que mantém os quarks “colados”
(glued) uns aos outros (Turun -tsss – os físicos adoram dar nomes
engraçadinhos para partículas). Tem também os “bósons da força nuclear
fraca”. Eles bem que mereciam algum nome engraçadinho, mas não ganharam.
Ficou como bóson W e bóson Z.
Fechando o arcabouço das partículas elementares, vem a mais
curiosa delas: justamente o bóson de Higgs. Ele entra como uma
ferramenta para explicar porque existem partículas “fantasmas”, sem
massa, e “concretas”, com massa. A ideia é que, na verdade, todas as
partículas seriam fantasmas.
Mas algumas deixariam para trás seu estado
fantasmagórico ao interagirem com o oceano de bósons de Higgs que
permeia o Universo – a ideia foi do físico Peter Higgs, que acabou
batizando a coisa. Pronto. Tudo explicado.
Só que até hoje de manhã tínhamos tudo isso e um mistério.
Uma a uma, todas as partículas elementares foram sendo descobertas. O
glúon, porém exemplo, foi teorizado em 1962, pelo físico Murray-Gellman.
E acabou descoberto em laboratório em 1978. Tudo foi ficando cada vez
mais redondo, com a prática comprovando paulatinamente a teoria. Mas
faltava achar justamente a partícula mais curiosa.
Agora não falta mais (ou, pelo menos, há mais de 99,9% de
chance). Ao analisar os estilhaços de uma colisão entre prótons no LHC,
apareceu algo de diferente em meio aos glúons e quarks de sempre. Era
uma partícula nova, mas com a mesma massa que o físico Peter Higgs havia
previsto para o seu bóson. Falta examinar outras características do
achado para ter 100% de certeza de que ele é mesmo o Higgs. Mas os
físicos estão confiantes.
De qualquer forma, ainda falta muito a descobrir. Tem as
partículas responsáveis pela matéria escura, que representa 85% da
matéria do Universo e que ninguém faz ideia do que se trata. Tem a
energia escura, a força 100% misteriosa responsável pela expansão do
Cosmos… E tem a gravidade. Ela é a força mais cotidiana, mais
onipresente, mais pedestre. Mas ainda não sabemos do que ela é feita. Ou
se é feita de alguma coisa. O Higgs não é nem o começo.
Fonte: Alexandre Versignassi, Rodrigo Rezende e Otavio Cohen
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